segunda-feira, 23 de julho de 2012

O inconfundível Tio Sam

«Look what they done to my song!»- este podia ser o desabafo da moribunda música europeia (continenatl) do século XXI. Em meia dúzia de anos, a Europa, como potência musical profícua que já foi, apagou-se totalmente. A produção de canções que outrora salatavam fronteiras e andavam nas bocas do mundo - canções francesas, italianas, espanholas (e até o nosso «Coimbra É uma Lição») - está reduzida a raspas para consumo doméstico.
Um fenóneno com assinatura inconfundível do Tio Sam.
A América tem, de facto, uma forma muito subtil de neutralizar qualquer cultura que lhe faça frente. Mas fá-lo de uma maneira diplomática e elegante, dando ares até de comunhão de bens. Assim, inventou a terminologia world music, para tornar apenas «pitorescos» alguns focos musicais que se poderiam tornar ameaças sérias para o mercado, como que a dizer: «Podem brincar aos sons, sim senhor, mas façam-no aí no vosso cantinho, pois não queremos que os nossos sobrinhos descubram que a vossa música é melhor que a nossa»...
Outro exemplo é a chamada «música latina». O lixo que a América impinge ao mundo como uma «música latina» provoca uma reacção de rejeição («un pasito para tras...») em qualquer pessoa com um mínimo de sensibilidade musical. O plano funciona às mil maravilhas! Disparando em todas as direcções a sua artilharia de ícones latinos que já são da «casa»- como Shakira, Ricky Martin, etc- a América acerta na mouche, provocando uma alergia generalizada à «música latina» e escondendo e abafando a verdadeira música latina que - o plano não falha - muita gente nunca provou. Eu posso mencionar, por exemplo, os clássicos «El Cantante», de Hector Lavoe, ou «Pedro Navaja» de Ruben Blades, e 99% dos leitores da BLITZ nunca ouviu nem falar! Contudo, o tio Sam sabe muito bem que «La musica latina es la mejor/musica americana no tiene sabor» (palavras de Kid Kreole). E ainda nem chegámos ao Brasil...Tom Zé ou Xangai sempre foram tão ou mais temidos que o próprio Bin Laden, e todos os seus movimentos são controlados a partir do espaço por satélites da CIA.
Voltando á velha Europa: quem é que sabe que existe um festival anual em San Remo, Itália, que já foi um dos certames musiciais mais mediáticos do mundo? E o exemplo francês? Como é possível que a descendência do numeroso batalhão de artistas gauleses de renome mundial tenha sido silenciado pelo exterminador implacável? Um autêntico cemitério! De Leo Ferré a Yves Montand, de Gilbert Bécaud a Jacques Higelin, ninguém deixou seguidores! E se os deixou, eles andam perdidos pelas banlieuses, sem encontrar o caminho para a internacionalização. E Sam sorri satisfeito. Missão mais que cumprida!


Gimba [músico e agitador] na crónica de opinião "Observatório" da revista de música BLITZ de julho de 2011 (nr 61)