domingo, 24 de março de 2013

Crise no Chipre



"O episódio do Chipre só parece estar a acrescentar desorientação a uma realidade europeia marcada pelas forças de desagregação[...]
A primeira questão que se coloca é simples: por que é que os bancos não podem ir à falência? se todos os negócios podem correr mal, porque é que se criou a convicção que o negócio dos bancos nunca pode correr mal?porque é que se fala de "perigo sistémico", ou de acrónimo TBTF - too big to fail - e se esquece o peso que implica para os contribuintes salvarem os bancos mal geridos (ou criminosos como bem conhecemos?), a segunda questão também é simples: por que motivo hão-de os contribuintes europeus, incluindo os portugueses, suportar os custos de um baillout a bancos que eram lavandarias de dinheiro sujo? por que motivo hão-de sacrificar os contribuintes que pagam 28% de imposto sobre juros dos seus depósitos (como pagam os portugueses) para salvar dinheiro de depositantes (como sucede no Chipre) que estão isentos de impostos?" Manuel Fernandes in Publico 22 de Março

A escumalha
Por:Francisco Moita Flores, Professor Universitário in CM Jornal
"Nunca acreditei muito nos especialistas que gerem países, regiões, imensas comunidades, como é o caso da União Europeia, transformando as pessoas em números secos, em percentagens impessoais, num jogo lógico de descidas e subidas, manipulado num qualquer computador, sem alma, sem dimensão humana, sem uma emoção.
Os homens são antes do mais a expressão da sua própria emoção. Dos seus afetos, dos sonhos, das expectativas em relação à sua vida e dos seus filhos. Somos lágrimas, sorrisos, prantos, abraços. A racionalidade organizada é adquirida, emerge desta dimensão afetiva mas constrói-se com o crescimento, com a escola, com a aprendizagem. Não existe computador nem máquina de calcular que apreenda esta complexidade maior e densa que estrutura a nossa existência.
Aquilo que se passou no Chipre com o confisco parcial das contas bancárias dos cipriotas, medida decidida pela troika, cobardemente aceite pelo governo, corajosamente repelida pelo parlamento daquele país, expressa bem a noção que estes tecnocratas têm das pessoas. Não existimos. Somos números. Números fiscais, números de contribuintes, números de contas bancárias, números de identificação. Não somos mais do que escumalha para estes novos ditadores que arruínam povos, velhos e novos, e ignoram a vida, as dificuldades para que se construa, a maioria das vezes com muito sofrimento. O congelamento a eito das contas bancárias no Chipre foi a primeira experiência. Não tenho dúvidas de que vai ter a segunda e a terceira tentativas até conseguirem esmifrar o pouco que resta das economias familiares. Para engordar a imensa riqueza dos mais poderosos. Nem me espantou a desilusão do ministro das Finanças alemão. O saque dos países mais pobres chegou a uma ausência de escrúpulos que até os sistemas bancários do sul da Europa são descredibilizados. Nem os eternos aliados se salvam.
Não somos mais do que números, servos de sistemas que engordam até à explosão dos próprios ventres prenhes de números. Pelo caminho que a demência predatória desta gente está a trilhar, não admira a revolta. Esses tecnocratas que só conhecem os números não sabem até onde vão as paixões dos homens. Talvez se lixem."



União Europeia morreu em Chipre
"Quando as tropas norte-americanas libertaram os campos de extermínio nas áreas conquistadas às tropas nazis, o general Eisenhower ordenou que as populações civis alemãs das povoações vizinhas fossem obrigadas a visitá-los. Tudo ficou documentado. Vemos civis a vomitarem. Caras chocadas e aturdidas, perante os cadáveres esqueléticos dos judeus que estavam na fila para uma incineração interrompida. A capacidade dos seres humanos se enganarem a si próprios, no plano moral, é quase tão infinita como a capacidade dos ignorantes viverem alegremente nas suas cavernas povoadas de ilusões e preconceitos. O povo alemão assistiu ao desaparecimento dos seus 600 mil judeus sem dar por isso. Viu desaparecerem os médicos, os advogados, os professores, os músicos, os cineastas, os banqueiros, os comerciantes, os cientistas, viu a hemorragia da autêntica aristocracia intelectual da Alemanha. Mas em 1945, perante as cinzas e os esqueletos dos antigos vizinhos, ficaram chocados e surpreendidos. Em 2013, 500 milhões de europeus foram testemunhas, ao vivo e a cores, de um ataque relâmpago ao Chipre. Todos vimos um povo sob uma chantagem, violando os mais básicos princípios da segurança jurídica e do estado de direito. Vimos como o governo Merkel obrigou os cipriotas a escolher, usando a pistola do BCE, entre o fuzilamento ou a morte lenta. Nos governos europeus ninguém teve um só gesto de reprovação. A Europa é hoje governada por Quislings e Pétains. A ideia da União Europeia morreu em Chipre. As ruínas da Europa como a conhecemos estão à nossa frente. É apenas uma questão de tempo. Este é o assunto político que temos de discutir em Portugal, se não quisermos um dia corar perante o cadáver do nosso próprio futuro como nação digna e independente." Viriato Soromenho Marques